Foto: Site da FAB
Desfile militar em Brasília no 7 de setembro de 2021
Em 1985, acho que foi Tancredo Neves quem cunhou a expressão “Nova República”. Mas não pegou.
Marcou mais a Constituição de 1988, legítima herdeira das Diretas Já!, com incorporação das demandaspor Direitos Civis, Sociais e Políticos e por Descentralização Federativa. À falta de um nome mais consagrado prefiro identificar esse período como da “Redemocratização”. É um processo, não um modelo estrutural. E já se vão 37 anos.
Talvez pelas recorrentes crises econômicas - a hiperinflação do final dos anos 1980, o baixo crescimento do PIB há décadas e a hegemonia neoliberal na globalização - nem o PT conseguiu consolidar um novo modelo.
Nas eleições de 2022, o processo de redemocratização está ameaçado. Vamos votar para presidente da República e “vamos votar se vamos continuar votando”. É a escolha entre democracia e um governo autoritário com marcas de fascismo.
Parece que o 7 de Setembro de 2022 não vai ser o 7 de Setembro de 2021 em dose dupla, como Bolsonaro gostaria. O Centrão tenta segurar seus arroubos e as Forças Armadas dão sinais cada vez mais claros de que não entrarão na aventura.
É nesse contexto que sinto falta de um debate mais claro e mais aprofundado sobre as nossas Forças Armadas. Até 2015, as FFAA ficaram “reclusas”, mas desde o impeachment vêm voltando ao cenário político; e na disputa de 2018 entraram de vez em campo. Bolsonaro eleito, tenta envolver os militares como “seu Exército”, como “suas Forças Armadas”, usando inclusive estímulos salariais.
Tanto Direita como Esquerda alimentam uma visão limitada e equivocada das Forças Armadas. Para a Direita, elas são “uma polícia em grau de recurso” e uma “reserva golpista”. Para a Esquerda, elas são “as herdeiras da ditadura” e também “uma ameaça golpista permanente”. Se essas visões captam aspectos reais, não são capazes de olhar as FFAA do ponto de vista institucional e numa perspectiva estratégica.
E enquanto não equacionarmos esse problema, não teremos um Estado Democrático de Direito consolidado.
Não é fácil, pois a história da questão militar no Brasil é longa. Em 1822, não existiam um Exército e uma Marinha organizadas e as forças militares eram uma mistura de portugueses e brasileiros. Não existiu um “exército libertador” na Independência.
Depois da Guerra do Paraguai é que as FFAA passaram a se considerar tutoras da nação e da política ou mesmo da sociedade. A formação militar e politécnica dos oficiais e a filosofia positivista levaram ao seu protagonismo na proclamação da República.
O conflito entre FFAA e as oligarquias políticas levou ao movimento tenentista de 1922 em diante, inclusive a Coluna Prestes, desembocando na Revolução de 1930.
Mesmo com um viés autoritário, a avaliação da participação das FFAA entre 1930 e 1960 é positiva, pois foi um dos protagonistas na política desenvolvimentista e nacionalista. Veja-se seu papel na campanha O Petróleo é Nosso!
Depois da Segunda Guerra Mundial, passou a dominar a polarização da Guerra Fria comandada pelos Estados Unidos e União Soviética. Houve um claro alinhamento geopolítico das FFAA brasileiras com a política norte-americana. Os conflitos sociais e a disputa política internas do Brasil foram vistas nesta ótica. O nacionalismo foi esmaecendo embora o desenvolvimentismo permanecesse. O resultado todos conhecemos: o golpe de 1964 e uma ditadura que chegou ao extremo da tortura.
É verdade que a Redemocratização nasceu como “abertura lenta, segura e gradual”, ainda sob tutela militar. E que foi aprovada uma lei de “anistia recíproca”, que nunca foi aceita pelos oponentes da ditadura. Mas desde a Constituinte de 1988, a emergência de um novo sindicalismo e de movimentos populares disseminados, fizeram da Redemocratização um pacto de cidadãos.
Nessa campanha eleitoral, precisamos ter um diálogo com as FFAA, em seus vários níveis hierárquicos, no contexto de um debate mais amplo com participação de toda a Sociedade. A política de defesa tem de ser uma política de Estado e não de Governo. E começa com a escolha de um civil para o Ministério da Defesa.
É preciso repensar a política de formação, em especial dos oficiais, que baixou de nível. Além das questões especificamente militares no contexto da Revolução da Telemática e da Globalização, é importante manter a qualificação técnica em setores estratégicos (informática, energia nuclear, comunicações, meio ambiente, por exemplo); e tudo numa perspectiva democrática.
Precisamos entender, inclusive a Esquerda, que a soberania se situa no contexto da geopolítica. É mais que estatismo ou nacionalismo econômico. E não se faz geopolítica sem Formas Armadas. Sobretudo com uma crescente polarização entre Estados Unidos e China, que evolui de um estágio econômico para político, o Brasil precisa saber se posicionar e aumentar seu protagonismo.
Não podemos ter alinhamento automático com nenhum Bloco. Celso Amorim e Lula deram os primeiros passos nesse rumo: BRICS, G-20, integração sul-americana, cooperação Sul-Sul.
No esforço de reindustrialização temos agora que evoluir para joint-ventures de empresas industriais brasileiras com chinesas, americanas, japonesas, coreanas e europeias. A maior participação no comércio internacional não pode ser apenas de commodities. E o intercâmbio acadêmico e cultural é fundamental.
Por fim, deve ficar claro para a Sociedade - e para as FFAA - que a solidariedade contra o bloqueio injusto a Cuba, que o comércio com a China, que a defesa do apoio à superação da crise na Venezuela não implicam em adesão a um modelo político que não tem conseguido articular políticas de esquerda e Democracia.
O Lula está muito consciente e defendendo abertamente um amplo arco de alianças não apenas eleitoral. Precisa falar publicamente para e com as FFAA. Vamos juntos para consolidar no Brasil um modelo que combine democracia, crescimento econômico, bem-estar social para todos, sustentabilidade, diversidade e integração soberana e solidária no Mundo. Nosso Projeto Nacional deve ser o Projeto de Nossas Forças Aramadas.
Siga nas redes sociais
Antônio José Medeiros
É sociólogo, professor aposentado da UFPI. Licenciado em Filosofia pela UFPI e Mestre em Ciências Sociais pela PUC/SP. Foi professor em escolas estaduais de nível médio do Piauí, em 1968 e 1971 e na UERJ e Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro, em 1973 e 1974. Trabalhou como técnico sênior na CEPRO/SEPLAN-PI e coordenou o Setor de Educação do Polonordeste na SEDUC-PI, de 1978 a 1980. Professor concursado da UFPI, onde trabalhou de 1981 a 2007.