Foto: Divulgação
Constituição Federal
No meio de muitas análises sobre as eleições dos Estados Unidos, sobre as quais não posso nem devo me deter, li uma frase do jornalista Daniel McCarthy, do The New York Times, em texto publicado no Brasil pelo portal de notícias do jornal O Estado de São Paulo na internet. A frase, ao fim do texto intitulado “Vitória de Trump deveria fazer críticos se olharem no espelho”, é uma boa provocação para todos nós.
O jornalista norte-americano sugere que “às vezes, seguir as regras é a melhor maneira de mudar o jogo, como reconheceram os presidentes mais transformadores de nosso passado” – obviamente falando sobre mandatários dos Estados Unidos, os quais ele não sinalizou, mas que podemos imaginar quais sejam.
Importa, então, olhar para a ideia contida na frase: não se mudam as coisas senão seguindo as regras existentes. Assim, é evidente que se alguma pessoa que faz mudanças significativas, quaisquer que sejam elas, não pode se não fazendo parte do que os norte-americanos chamam de “establishment”, ou seja, participando do amplo espaço de poder decisório.
Então, é bastante evidente que para se mudar o que quer que seja se precisa fazer política – não em sentido vulgar, mas em um espectro mais amplo e não-partidário. Há, assim, exemplos bem práticos de como qualquer cidadão ou cidadã pode atuar para que, dentro da norma, seja constitucional ou infraconstitucional, atue firmemente no rumo de promover transformações necessárias a si e à sua comunidade.
Então, fica patente que atuar segundo as regras para mudar o jogo e alterar as coisas, não é tarefa simples – exige trabalho, esforço recorrente, dedicação, estudo e uma capacidade de ver como, jogando dentro das regras, pode-se alterar o próprio jogo.
Ainda assim, muitas pessoas acreditam que as coisas podem mudar sem que elas mesmas se esforcem para que as transformações ocorram. Outras tantas acreditam que as mudanças somente serão viáveis se amparadas em alteração das regras estabelecidas – e aí podem esperar sentadas porque muitas vezes é mais fácil mudar as coisas dentro das normas existentes do que alterar essas normas para que as transformações possam ocorrer.
Um dos exemplos realmente bons dessas mudanças foi a eleição de Tancredo Neves em 1985 – pondo fim a 21 anos de regime autoritário no país. O político mineiro uniu-se a antigos adversários, costurou uma aliança política e social e representou uma mudança de acordo com regras que ele não poderia mudar. Lembremos, sobre isso, que no ano anterior, uma tentativa de alterar a regra constitucional sobre a eleição presidencial indireta (emenda Dante de Oliveira, das diretas já) resultou em derrota para os que gostariam de mudar tudo. Mas Tancredo e seus aliados se deram conta de que poderiam mudar o jogo, vencendo-o, seguindo as regras que não tinham sido eles que escreveram. E assim foi que fizeram a mudança que resultou na Nova República.
Os exemplos de mudanças feitas se seguindo as regras podem ser contados às dezenas – e muitas delas estão no exercício do mister de advogado – notadamente se buscamos um novo olhar sobre uma demanda a partir da interpretação ou reinterpretação de princípios ou dispositivos constitucionais. Podemos, assim, ser os promotores de mudanças reais e positivas na vida das pessoas, sem que se alterem as leis ou as regras, mas apenas seguindo um olhar inovador sobre os textos que orientam decisões judiciais, sobretudo, o mais fundamental deles, a Constituição Federal.
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Álvaro Mota
É advogado, procurador do Estado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Álvaro também é presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.